Como pais e educadores, nosso instinto mais profundo é proteger as crianças. Queremos vê-las prosperar, ter sucesso em cada nova tentativa, e raramente gostaríamos de vê-las tropeçar, cair ou, de alguma forma, “falhar”. Vivemos em uma sociedade que valoriza o acerto imediato, a perfeição instantânea e a performance impecável. Mas e se eu lhe dissesse que, paradoxalmente, é justamente no “não deu certo” – nos tropeços, nas tentativas frustradas, nas construções que desmoronam – que reside um dos maiores tesouros para o desenvolvimento infantil?
Neste mês de julho, enquanto muitos estão em período de descanso ou reavaliação, convidamos você a refletir sobre uma ideia revolucionária, porém simples: a de que o erro não é um obstáculo a ser evitado, mas sim um degrau essencial para a aprendizagem. Longe de ser um sinal de fracasso, o “não deu certo” é um convite à curiosidade, à persistência e à inovação, especialmente na primeira infância, onde as fundações para a vida estão sendo construídas.
A Cultura do Acerto e Seus Perigos Ocultos
Desde cedo, somos programados para buscar o sucesso. Na escola, as respostas certas rendem as melhores notas; em casa, a arrumação perfeita ou a tarefa executada sem falhas é recompensada. Essa cultura, embora bem-intencionada, pode inadvertentemente ensinar às crianças que errar é algo a ser temido ou evitado a todo custo.
Quando uma criança tem medo de errar, ela se torna hesitante. Ela pode evitar desafios, preferir o que já domina, ou até mesmo esconder seus “erros” para evitar desaprovação. Essa postura limita drasticamente sua capacidade de explorar, experimentar e, o mais importante, de aprender com o processo. Imagine uma criança que tenta empilhar blocos e a torre cai. Se a reação for de frustração e desistência, ela perde a oportunidade de aprender sobre equilíbrio, gravidade ou a necessidade de uma base mais firme.
Por Que o Erro é um Professor Poderoso
Contrário à intuição, o erro é um motor de aprendizado incomparável. Neurocientificamente, quando cometemos um erro, nosso cérebro se ilumina. Ele busca entender o que aconteceu de diferente, o que pode ser ajustado para a próxima vez. Esse processo de “ensaio e erro” é fundamental para a construção de novas conexões neurais e para a consolidação do conhecimento.
Na primeira infância, essa dinâmica é ainda mais evidente:
* Construção da Resiliência: Superar um erro, tentar novamente e eventualmente ter sucesso ensina às crianças a valiosa lição da resiliência. Elas aprendem que as dificuldades são temporárias e que a persistência leva à superação. Essa é uma das habilidades mais importantes para a vida adulta. |
- Estimula a Curiosidade e a Exploração: Se o erro é visto como uma oportunidade, a criança se sente mais livre para explorar caminhos desconhecidos, fazer perguntas (“Por que isso não funcionou?”), e testar hipóteses, expandindo seu repertório de experiências.
- Fomenta a Criatividade e a Resolução de Problemas: Quando o caminho óbvio não funciona, o cérebro é forçado a pensar “fora da caixa”. O erro inspira soluções criativas, novas abordagens e a capacidade de ver um problema por diferentes ângulos.
- Desenvolve o Pensamento Crítico: Analisar o que deu errado e por que, planejar uma nova estratégia e executá-la são exercícios poderosos de pensamento crítico e metacognição (pensar sobre o próprio pensamento).
- Construção de uma Mentalidade de Crescimento (Growth Mindset): A psicóloga Carol Dweck popularizou o conceito de “mentalidade de crescimento”, onde os indivíduos acreditam que suas habilidades podem ser desenvolvidas através do esforço e da dedicação, em vez de serem fixas. Abraçar o erro é fundamental para essa mentalidade: “Eu não consegui ainda, mas vou aprender como.”
Criando um Ambiente Onde o ‘Não Deu Certo’ é Bem-Vindo
A boa notícia é que pais e educadores podem ativamente criar um ambiente onde o erro é não apenas tolerado, mas celebrado como parte integrante do processo de aprendizagem.
- Modele a Imperfeição: Admita seus próprios erros com naturalidade. “Ops, a mamãe se esqueceu de uma coisa aqui, que tal a gente tentar de novo juntas?” ou “Esse bolo não cresceu como eu esperava, mas vamos descobrir por quê!”. Isso normaliza o erro e mostra que ele é uma parte humana e instrutiva da vida.
- Foque no Processo, Não Apenas no Resultado: Em vez de apenas elogiar o desenho “bonito”, comente o esforço: “Que interessante o jeito que você usou essas cores!”, “Você tentou de várias formas montar essa torre, parabéns pela sua persistência!”.
- Use a Linguagem do Aprendizado: Troque “Você errou” por “O que aprendemos com isso?”, “Como podemos fazer diferente na próxima vez?”, ou “Essa foi uma tentativa, o que você acha de tentarmos de outra forma?”.
- Incentive a Experimentação Livre: Ofereça materiais abertos e brincadeiras que não tenham um “certo” ou “errado” fixo. Construir com sucata, pintar livremente, explorar a natureza – tudo isso permite a experimentação sem o peso da performance.
- Crie Espaços Seguros para Tentar e Re-tentar: Permita que a criança explore sem interrupções imediatas, mesmo que você veja que ela está “fazendo errado”. Intervenha apenas se houver risco real à segurança. Deixe-a tentar, observar a consequência de sua ação e, se necessário, oferecer ajuda com uma pergunta: “O que você acha que pode acontecer se colocarmos esse bloco aqui?”.
- Celebre as Tentativas, Não Apenas os Acertos: Reconheça o esforço e a coragem de tentar, mesmo quando o resultado não é o esperado. “Que legal que você não desistiu!”, “Uau, você tentou de novo!”.
O Papel dos Pais e Educadores: Guias, Não Removedores de Obstáculos
Nossa função não é pavimentar o caminho e remover todos os obstáculos, mas sim equipar as crianças com as ferramentas e a mentalidade para navegar por eles. Ao permitir que a criança experimente o “não deu certo” em um ambiente seguro e apoiador, estamos construindo a base para adultos criativos, persistentes e capazes de enfrentar os desafios da vida com confiança e otimismo.
Lembre-se: cada rabisco “torto”, cada torre que desaba, cada passo incerto ao aprender a andar, é uma rica oportunidade de aprendizado. Ao abraçarmos o poder secreto do “não deu certo”, não estamos apenas permitindo que as crianças errem; estamos às capacitando a florescer, a inovar e a se tornarem aprendizes para a vida toda.